quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Ex-morador de rua dirige bicicloteca no centro de São Paulo


EDSON VALENTE

Foi em uma vitrine que Robson César Correia de Mendonça se deparou com a maior dor de sua vida. Vagando pelas ruas de São Paulo, deteve-se por um momento em frente a uma loja para assistir na TV ao noticiário que falava de um acidente, na estrada para Juazeiro do Norte (CE). Uma família gaúcha dizimada. A sua.

Dois anos antes, ele deixara em sua cidade natal, Alegrete (RS), onde era pecuarista, para tentar construir uma história na metrópole paulista. A mulher e os dois filhos -um casal- viriam depois, quando já estivesse devidamente instalado. Carregara consigo uma quantia que hoje equivaleria a cerca de R$ 200 mil, provenientes da venda de uma propriedade e alguns animais, e o propósito de estabelecer um negócio próprio -"comprar um prediozinho, montar um restaurante, começar uma vida nova".

Logo que desembarcou no Terminal Rodoviário do Tietê, há 12 anos, Robson, então com 50 anos de idade, diz ter sido vítima de um sequestro. "Da rodoviária, vendo todo o dinheiro que eu tinha, eles me levaram até o vale do Anhangabaú, onde fizeram um documento falso de aposentado por invalidez, usado para sacar mais no banco."

Destituído de qualquer pertence, passou a perambular pelo centro da cidade e a dormir na praça da Sé. Desorientado, não conseguiu mais contato com a família. "Tentei entrar na Câmara [Municipal de São Paulo] para dar um telefonema, mas fui proibido por ser morador de rua."

Foi levado para um albergue em Santo Amaro, na zona sul, do qual retornou para a região da praça da República para vender picolés e procurar a quadrilha que o havia sequestrado. Ele a descobriu, mas "ficou no dito pelo não dito, eles não foram presos nem nada".
Ao tomar conhecimento do acidente, que interrompeu o sonho de sua mulher de conhecer a cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará, entrou em depressão. Para fugir da "loucura total" e da droga e em busca de alguma dignidade para os moradores de rua, que via serem tratados "como bichos", conta que se apegou à leitura.
REVOLUÇÃO DOS BICHOS .

Marcou-o especialmente o livro "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, que encontrou em uma minibiblioteca de um albergue no Brás. O título da obra chamou a sua atenção. "Comecei a pensar que, se os animais são capazes de mudar suas vidas, por que nós, que somos animais racionais, não podemos mudar?".
Em 2000, criou, com alguns companheiros, o Movimento de Pessoas em Situação de Rua, para defender os interesses dessa população. "Brigar" na Assembleia Legislativa e no Ministério Público fazia parte de suas atribuições. Nessa época, sustentava-se com a venda de materiais reciclados. "Quando comecei a viver totalmente do movimento, só tomava café de manhã e comia à noite, mas nem sempre", lembra.
A comunhão com as letras se dava principalmente na biblioteca Mário de Andrade, na região central. Assíduo frequentador da instituição e sabido por seu caráter engajado -a essa altura, já tomava parte de ações de inclusão social da Agenda 21-, foi convidado para plantar uma árvore nos jardins do lugar.
BIBLIOTECA ITINERANTE
Nesse dia, sua trajetória se cruzou com a do empreendedor Lincoln Paiva, dono de uma consultoria voltada para projetos de mobilidade urbana, a Green Mobility. Paiva enxergou no desejo de Robson de "contaminar" outros moradores de rua com a literatura a possibilidade de desenvolver uma ação social

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